Existem Anos, realmente estranhos!
"Tédio. É isso que sinto. Um peso que me invade a alma e
engole a vontade. A cada minuto que passa, transforma-se em impaciência. Um
nervoso miudinho que faz parar a respiração na exacta proporção em que o coração
acelera. «O que é que tens?» «Nada.» «Então, porque é que estás a suspirar?» «Porque me
apetece. Porquê? Agora também não posso?» O que vale é que ele não me responde.
Depois de quinze anos de vida em comum, finalmente percebeu que há alturas em que o
melhor é estar calado.
Porque é que estás a suspirar, pergunta ele. É preciso ter
lata. É preciso estar completamente alheado do que se passa à sua volta. É preciso
ser muito egocêntrico.
Não sei se é por ser homem. Será que a vida é assim tão mais
fácil para os homens? Claramente, não têm de se preocupar com a celulite, com as
unhas partidas, com o cabelo. Já não bastava a sorte de poderem fazer chichi em
tudo quanto é canto, também não têm de se preocupar com as sobrancelhas, os cremes, a
maquilhagem, as meias de vidro, esconder o peito para não parecer oferecida, mas não
o suficiente que pareça uma frígida. Um homem de cabelo desgrenhado e barba por fazer,
desde que tenha aquele cheiro a banho tomado, é sexy. Uma mulher de cabelo
desgrenhado, que não teve tempo para ir à depilação, mesmo com cheiro a banho tomado, é uma
desmazelada, nojenta, que devia ter vergonha de sair assim à rua. Então, nesse
caso, porque é que as mulheres não podem entrar uma hora depois do que os homens nos seus
locais de trabalho, por exemplo? É isso que me apetece perguntar ao meu chefe quando
me olha reprovadoramente se chego depois das nove e meia, lançando
um irónico «Boa tarde!
Obrigada por teres vindo»… O que é que eu tenho, pergunta
ele. Ora, diga-me lá doutor, por onde quer que comece?
O médico olhou para o relógio de pulso e apenas disse:
- Desculpe, Vanessa, mas vai ter de ficar para a próxima
sessão. Acabou-se o nosso tempo.
- Mas doutor...
- Ora, Vanessa, já sabe as regras... Aponte o que me ia
dizer, ponha isso tudo por tópicos num papel e falamos na próxima sessão.(...)"